A disfunção tiroideia é a segunda causa mais comum de disfunção endócrina durante a gravidez a seguir à diabetes gestacional e associa-se a um aumento de risco de eventos obstétricos e perinatais adversos. O rastreio universal da disfunção tiroideia na gravidez é controverso. No entanto, existe evidência razoável que suporta a recomendação do doseamento da TSH no início da gravidez nas seguintes situações consideradas de risco.

1. História prévia de hipo/hipertiroidismo ou presença de quadro clínico sugestivo de disfunção tiroideia

2. Presença de anticorpos anti – tiroideus ou bócio

3. História de cirurgia da tiroide ou de irradiação da cabeça/pescoço

4. Diabetes tipo 1 ou outra doença autoimune

5. História de abortos, infertilidade ou parto pré-termo

6. História familiar de disfunção tiroideia ou doença tiroideia autoimune

7. Índice de massa corporal ≥ 40Kg/m2

8. Terapêutica recente com amiodarona, lítio ou administração recente de contraste iodado

9. Residência em área de insuficiência moderada a grave em iodo

10. Idade materna > 30 anos

 

Tiroide materna

A gravidez condiciona um aumento das necessidades metabólicas e as hormonas tiroideias têm um papel fundamental nas adaptações fisiológicas que visam colmatar essas necessidades. O tamanho da tiroide aumenta 10-40% durante a gravidez e a produção de hormonas tiroideias aumenta cerca de 50%. A concentração sérica de TBG (globulina ligante da tiroxina) duplica e ocorre um aumento de cerca de 50% dos níveis de triiodotironina (T3) e tetraiodotironina ou tiroxina (T4). O pico dos níveis séricos destas duas últimas hormonas ocorre por volta das 16 – 20 semanas de gestação. Estas modificações implicam um aumento de cerca de 50% das necessidades diárias de iodo.

 

Hipotiroidismo:

Definição: O hipotiroidismo é uma condição caracterizada por produção insuficiente de hormonas tiroideias. Pode ser classificado em primário (disfunção intrínseca da tiroide) ou central (secundário se a etiologia é hipofisária ou terciário se a causa é hipotalâmica) . Na gravidez o hipotiroidismo primário define-se pela elevação dos níveis de TSH acima dos valores de referência específicos da população e do trimestre. Como acima referido, se estes valores não estiverem disponíveis pode considerar-se o valor de 4.0 mU/L como o limite superior do normal. Dependendo da gravidade da disfunção tiroideia, o hipotiroidismo pode classificar-se como clínico (TSH elevada e T4 livre diminuída) ou subclínico (TSH elevada com T4 livre normal).

 

Hipertiroidismo:

Definição e incidência: O hipertiroidismo caracteriza-se pela produção excessiva de hormonas tiroideias. Na gravidez tem uma prevalência de 0.1 a 0.4% .

A doença de Graves, patologia autoimune causada por anticorpos que se ligam aos recetores da TSH, é a causa mais comum de hipertiroidismo na gravidez . Outras causas possíveis são o “hipertiroidismo” transitório mediado pela hCG (também conhecido como tireotoxicose gestacional transitória), o bócio multinodular tóxico e o adenoma tóxico. Manifestações clínicas: Os sintomas do hipertiroidismo mimetizam as alterações decorrentes do estado hipermetabólico da gravidez e incluem palpitações, sudorese, intolerância ao calor, ansiedade, insónias, perda de peso e tremor. Ao exame físico pode objetivarse taquicardia, diaforese, hiperreflexia, exoftalmia ou bócio difuso.

 

Cerca de uma em cada mil grávidas com nódulos da tiroide palpáveis têm um carcinoma e 5 a 10% de todos os tumores da tiroide são malignos. A orientação das neoplasias da tiroide na gravidez requer uma equipa multidisciplinar envolvendo cirurgiões, endocrinologistas e obstetras. A maioria das neoplasias da tiroide são bem diferenciadas e têm um curso indolente podendo na maioria das situações protelar-se a cirurgia para o pós-parto. O prognóstico das neoplasias da tiroide não parece ser influenciado pela gravidez transplacentária daqueles fármacos e inibição da tiroideia fetal. Os neonatalogistas devem ser informados sobre a eventual terapêutica materna com anti-tiroideus e sobre os níveis de TRAbs para procederem à adequada monitorização da função tiroideia do recém-nascido quando indicado.

 

Na grávida com antecedentes de carcinoma da tiroide de origem folicular é recomendado obter informação clínica do Endocrinologista/Oncologista acerca do nível de TSH pretendido, que varia com o estadiamento da situação tumoral prévia à gravidez. Se não existir evidência de doença, a gravidez não parece aumentar o risco de recorrência. Mulheres submetidas a terapêutica ablativa com iodo radioativo devem protelar a gravidez, pelo menos, 6 meses.